Quando o boneco substitui o abraço

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É triste. É desesperador. É profundamente preocupante. Em uma sociedade cada vez mais ansiosa, solitária e desconectada de si mesma, surgem comportamentos que, à primeira vista, parecem apenas curiosos, mas que revelam o esgotamento emocional de uma era. Você já ouviu falar dos bebês reborn?
São bonecos realistas, feitos artesanalmente para se parecerem com recém-nascidos, com detalhes que impressionam: pele, veias, peso, temperatura e até batimentos simulados. Alguns são tão perfeitos que, quando colocados nos braços de alguém, confundem o olhar. E mais do que brinquedos, têm sido tratados como verdadeiros filhos. Pessoas os alimentam, vestem, registram certidões de nascimento, os levam para passear em carrinhos, para dormir ao lado, e, em casos extremos, até para consultas médicas. Sim, recentemente, uma mulher levou seu bebê reborn para o hospital alegando que ele estava doente. A equipe médica, inicialmente sem entender, depois percebeu que não se tratava apenas de uma brincadeira – havia dor por trás daquele gesto.

Quando o boneco substitui o abraço

Essa não é apenas uma história estranha. É um grito silencioso.
Vivemos um tempo em que os vínculos humanos estão sendo trocados por simulações. Onde o toque real é substituído pela fantasia do controle. Onde o amor não é vivido com suas alegrias e frustrações, mas sim reproduzido num objeto que não decepciona, não chora fora de hora, não cresce, não contraria. E por mais que isso possa parecer inofensivo ou até terapêutico, na verdade revela uma ferida profunda na estrutura emocional de muitos. O medo da perda, o trauma do abandono, a insegurança diante da maternidade ou da vida são projetados nesse objeto. O boneco, então, passa a ser um escape do mundo real. Um lugar seguro onde ninguém será rejeitado.
A neurociência explica que o cérebro humano responde a estímulos emocionais, mesmo que simbólicos. Um bebê reborn pode, por exemplo, ativar circuitos ligados ao afeto, à maternidade, ao cuidado. Mas a questão não é o cérebro que responde. É o coração que, muitas vezes, já não suporta mais não ser correspondido.
A psicologia vê isso como uma forma de compensação emocional. Quando a vida se torna pesada, quando as relações ferem ao invés de acolher, criamos mundos paralelos. Não é diferente de quem se isola nos jogos, nos vícios, nas redes sociais ou em rotinas frenéticas para não olhar para si. Os bebês reborn são apenas um dos muitos espelhos dessa geração emocionalmente exausta. Estamos criando mecanismos de defesa porque não sabemos mais como lidar com a dor da frustração, com a ausência, com o luto, com a espera.
O problema não está no boneco em si, mas naquilo que ele simboliza. Quando as pessoas trocam relações naturais por simulações, algo essencial se perde: a vulnerabilidade humana. O erro, o toque, a troca de olhares, o aprender com o outro, o crescer junto, o suportar dias difíceis e, ainda assim, permanecer. É disso que estamos abrindo mão.
E o mais inquietante: ao fazermos isso, também nos desumanizamos.
Estamos criando gerações que têm medo de amar de verdade. Que evitam o real porque o real exige entrega, paciência e coragem. E no fundo, sabemos que um boneco não supre a alma. Não devolve o cheiro de um filho. Não preenche o vazio de uma ausência. Só silencia temporariamente a dor.
Mas a dor silenciada volta.
E quando ela retorna, volta mais profunda, mais densa, mais difícil de acolher. Porque o ser humano não nasceu para substituir sentimentos por objetos. Nasceu para se relacionar. Para tropeçar, cair, levantar e, sobretudo, compartilhar.
Então, a reflexão que se impõe é:
Quantas vezes você está trocando pessoas por simulacros emocionais apenas para não se ferir?
O que em você ainda não foi curado e está sendo projetado em coisas, ideias ou fantasias?

Imagem de destaque - TV A Folha
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