Almerinda Veiga da Silva, de 57 anos, está em seu quinto abrigo desde que precisou deixar sua casa, há exatamente um ano, quando o bairro Rio Branco, em Canoas, foi tomado pelas águas durante a maior catástrofe climática da história do Rio Grande do Sul. Ela se separou do marido, que seguiu para um abrigo masculino, enquanto ela e a filha, com síndrome de Down, foram destinadas a um local exclusivo para mães atípicas. No início, todos foram resgatados com segurança, mas, ao longo dos meses, o que poderia ser uma história de recomeço se tornou sua maior dor emocional.
“Tem um mês que eu perdi minha filha especial, por conta do trauma da enchente. Acarretou danos, digamos, emocionais. Ela era portadora da síndrome de Down. Perdi o marido também por conta da enchente. Ele ficou muito traumatizado, entrou em depressão e acabou falecendo no Natal. Então, não tá sendo fácil”, desabafou Almerinda em entrevista à Agência Brasil, durante visita da reportagem ao Centro Humanitário de Acolhimento (CHA) Esperança, localizado no Centro Olímpico, em Canoas. Esse é o único abrigo ainda ativo na cidade e atende 216 pessoas, de acordo com informações da prefeitura. Porém, o espaço deve ser fechado até o final de maio.
Instalado em julho do ano passado por meio de uma parceria entre o governo do estado, a Fecomércio-RS e a Agência das Nações Unidas para as Migrações (OIM), o CHA conta com alimentação, atendimento em saúde, assistência social, apoio na busca por emprego, ajuda para inscrição em programas de habitação, creche e até um espaço para abrigar animais domésticos de quem está no local.
Outro abrigo proveniente da mesma parceria funciona em Porto Alegre e acolhe aproximadamente 120 pessoas. Assim como o Centro em Canoas, ele também está em processo de desmobilização previsto para as próximas semanas. Os dois abrigos, de um total de nove ainda ativos, concentram 93% das pessoas atendidas no estado. No auge da crise climática, mais de 80 mil pessoas estavam em abrigos temporários. Atualmente, esse número caiu para 383 pessoas no Rio Grande do Sul.
Não há levantamento socioeconômico sobre o perfil desses desabrigados, mas é evidente que grande parte dessas pessoas se encontra em situação de extrema vulnerabilidade social. Claudio Joel Bello, de 43 anos e atualmente desempregado, está no CHA Esperança desde o ano passado, após seu bairro, Mathias Velho, ficar alagado por mais de um mês. Ele foi contemplado pelo programa Compra Assistida para adquirir uma casa em Sapucaia do Sul, mas reclama da demora na conclusão do processo. “Se o governo me deu minha casa, por que eu não vou pra minha casa de uma vez? Tenho quase um ano em abrigo,” questiona.
O Compra Assistida, criado pelo governo federal, oferece R$ 200 mil para a compra de imóveis já existentes em qualquer cidade do estado. Até o momento, 1,5 mil contratos foram assinados. No CHA Esperança, Bello é o único beneficiário do programa até agora.
Os demais desabrigados estão divididos entre dois outros programas: concessão de aluguel social por 12 meses, no valor mensal de R$ 1 mil, e moradia provisória mobiliada no bairro Estância Velha. Almerinda relatou à reportagem que visitou o local provisório, mas optou pelo aluguel social por questões de segurança. No entanto, ela ainda não possui mobília suficiente para viver no imóvel alugado. “A casa tá alugada, foi feito o contrato, foi paga a caução, só que a mobília… Eu vou morar na casa sem nada?”, indagou. No abrigo, ela tenta arrecadar eletrodomésticos por meio de uma parceria da ONU Migrações com empresas privadas, mas a demanda não foi atendida. “Eu só vou sair do abrigo quando tiver meus móveis”, afirmou.
Josebete da Silva, de 47 anos, está prestes a se mudar para o bairro provisório na Estância Velha, onde viverá com sua esposa e duas filhas em um contêiner de concreto de 27 metros quadrados. “Para mim, que pago aluguel, vai ser melhor. A esposa que escolheu [essa alternativa],” disse ele.