Soro universal contra veneno de cobras avança em estudo com base em anticorpos humanos

Soro universal contra veneno de cobras avança em estudo com base em anticorpos humanos
Foto: Divulgação
ALEP - PARANÁ COM TUDO E COM TODOS (copy at 2025-06-02 15:42:55)
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Um coquetel de anticorpos foi eficaz na neutralização dos efeitos do envenenamento de picadas de 19 cobras consideradas das mais letais pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Esse avanço pode levar à criação de um soro antiofídico universal, essencial em um cenário global onde acidentes ofídicos provocam mais de 100 mil mortes anuais. O coquetel, composto por dois anticorpos e uma molécula de pequeno porte, foi desenvolvido a partir de células do sistema imunológico de Tim Friede, influenciador americano que se autopicou 856 vezes com algumas das cobras mais venenosas do mundo, criando imunidade ao veneno.

Pela primeira vez, anticorpos humanos demonstraram neutralizar venenos de serpentes. Atualmente, os soros disponíveis são derivados de anticorpos de cavalos ou outros animais, o que pode causar reações adversas severas. O desenvolvimento é fruto de pesquisas realizadas por cientistas da empresa de biotecnologia Centivax e do centro Aaron Diamond de Pesquisa em Aids da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Até o momento, os testes foram realizados em ratos, utilizando venenos neurotóxicos. Os resultados foram publicados na revista Cell, na sexta-feira (2).

Tim Friede passou 18 anos sendo picado por 16 espécies de cobras com venenos letais, como as dos gêneros Naja, mambas-negras, cascavéis, víboras e cobras-corais. O seu corpo gerou anticorpos contra toxinas presentes nos venenos desses répteis. Cientistas utilizaram amostras de sangue do influenciador para isolar dois anticorpos e uma molécula com eficácia comprovada na neutralização de venenos.

“Algumas das toxinas [componentes] presentes no veneno de serpentes são altamente conservadas, por isso os anticorpos e a molécula pequena que identificamos apresentaram uma alta reatividade [resposta imune] no estudo”, explicou Peter Kwong, professor de doenças infecciosas e bioquímica na Universidade de Columbia e autor sênior do estudo.

A pesquisa é inédita em dois aspectos: o uso de anticorpos humanos, que reduziria significativamente os riscos de reações alérgicas, e o potencial para agir contra venenos de várias espécies de cobras, especialmente quando não se sabe qual serpente causou o acidente. “Os soros atuais são feitos a partir de anticorpos de ovelha ou cavalo, que podem causar sérios efeitos colaterais, incluindo risco de choque anafilático”, afirmou Jacob Glanville, diretor-executivo da Centivax e primeiro autor do estudo.

Nos testes, o coquetel foi aplicado em ratos dez minutos após serem picados por cobras Naja, mambas, kraits (corais asiáticas) e taipans, espécies elapídeas altamente perigosas. A família Elapidae abrange mais de 300 espécies, todas venenosas. No Brasil, as cobras-corais representam os elapídeos, com veneno neurotóxico que pode causar danos ao sistema nervoso central, além de lesões locais e hemorragias generalizadas.

Kwong alertou que o coquetel mostrou eficácia apenas contra elapídeos, não surtindo efeito contra víboras, como cascavéis e jararacas. “Portanto, pode ser eficaz em lugares como a Austrália, onde existem principalmente elapídeos, mas precisaríamos fazer um coquetel amplo que seja eficaz contra víboras para ter um produto que funcione no Brasil, por exemplo [onde a maioria dos acidentes ocorre por este grupo].”

Embora o mundo registre cerca de 4,5 milhões de acidentes anuais com cobras peçonhentas, entre 80 mil e 138 mil vidas são perdidas, segundo a OMS. A maior incidência ocorre em áreas rurais ou de países em desenvolvimento, onde as pessoas estão mais próximas a ambientes naturais e têm menor acesso a tratamentos adequados. Adicionalmente, a distribuição desigual do soro disponível levou a OMS a classificar os acidentes ofídicos como uma doença tropical negligenciada, em 2017.

Uma característica promissora do produto desenvolvido pela Centivax é sua formulação em pó, o que pode reduzir custos e eliminar a necessidade de refrigeração durante o armazenamento. Os próximos passos envolvem testes em modelos animais maiores, como cães, em parceria com pesquisadores na Austrália. “Os cães possuem um tamanho corporal semelhante ao dos humanos, e a dose que recebem ao serem picados na natureza é a mesma que um humano teria quando picado”, explicou Glanville. Paralelamente, estudos com cobras da família Viperidae também estão em andamento, aplicando os mesmos princípios do coquetel.

Se os resultados forem satisfatórios, a previsão é de iniciar testes clínicos em humanos dentro de dois anos e concluir essa etapa em até quatro anos, dependendo de financiamentos e parcerias. “Esse é um produto que pode ser lucrativo a longo prazo, mas necessita agora de parcerias com farmacêuticas ou de ações filantrópicas alinhadas à missão de apoiar o estudo clínico”, pontuou Glanville.

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Imagem de destaque - TV A Folha