As mais de 80 famílias da ocupação urbana Marielle Franco, de Palmas, sudoeste do Paraná, tiveram uma grande conquista na noite da segunda-feira (18). A Câmara de Vereadores do município aprovou um Projeto de Lei para que a prefeitura adquira o terreno e realize a regularização fundiária da comunidade, formada em uma área abandonada de 25 mil m², no Bairro Alto da Glória.
A decisão foi por unanimidade, por oito votos a zero, após quase três anos de organização coletiva da comunidade, mobilizações e audiências de negociação.
Cleia da Luz Rezer, uma das coordenadoras da ocupação, conta sobre o significado e a emoção das famílias pela conquista: “Meu desejo agora é que as crianças que nasceram aqui e que vieram pra cá possam ficar nos seus lares, com segurança, sabendo que eles têm um lugar pra dormir e que não vão passar necessidade por conta do aluguel”.
Com esta vitória, as ameaças de despejo dão lugar aos sonhos de desenvolvimento da comunidade e avanço em demandas básicas, como acesso à estrada, energia elétrica, água e saneamento básico. “Não temos uma rua boa pra sair, se a gente vai pro centro, no médico, ou pro colégio a gente sai daqui com os pés cobertos de barro quando chove. Não entra carro pra trazer rancho, não entra um ‘gaseiro’, ou pra socorrer um doente. É complicado”, relata a moradora Paulina Pielantio de Lima.
A vitória das famílias de Palmas aponta caminhos para solucionar a situação preocupante vivenciada por milhares de famílias paranaenses do campo e da cidade, que lutam pelo direito à moradia digna. São mais de 360 comunidades urbanas e rurais com pedido de reintegração de posse no Paraná, segundo levantamento da Defensoria Pública do Estado.
É neste contexto que a articulação Despejo Zero do Paraná mobiliza a campanha “Natal Sem Despejo”, para chamar atenção do poder público para a urgência da suspensão das ordens de reintegração de posse. No dia 14 de dezembro, mais de 80 famílias, incluindo uma idosa acamada, foram vítimas de um despejo na ocupação Prainha, em Pontal do Paraná, litoral do estado. Outras comunidades enfrentam ameaças de reintegração de posse, apesar do período de festas de final de ano.
Unidade entre o campo e a cidade por Despejo Zero
A celebração da conquista vai bem além das famílias moradoras da ocupação Marielle Franco. Desde os primeiros dias de formação da comunidade, as famílias contaram com ações de solidariedade e mobilização em unidade com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e o apoio do Fórum Regional de Organizações Populares do Campo e da Cidade no Sudoeste, a articulação Despejo Zero e o Instituto Democracia Popular (IDP) e Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap).
Entre os passos na busca de solução para a demanda de moradia das famílias esteve a ação da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Paraná, presidida pelo desembargador Fernando Antonio Prazeres.
Assim como ocorreu em dezenas de comunidades nos anos, o desembargador do TJ visitou a área ainda durante a pandemia, em março de 2022, acompanhado de representantes da Defensoria Pública, Ministério Público, Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social (SUDIS) e autoridades estaduais, municipais, como deputados, secretários municipais e líderes religiosos. Também foram realizadas sete audiências, num esforço de buscar uma solução dialogada entre as partes envolvidas.
Bruna Zimpel é moradora do acampamento Terra Livre, em Clevelândia, e integrante da direção nacional do MST. Ela conhece de perto a realidade enfrentada pelas famílias urbanas pelas ameaças de despejo, e conta sobre a contribuição do Movimento desde os primeiros dias da ocupação Marielle Franco. “Ficamos sabendo da ocupação já bem no início, porque foi um período muito chuvoso e estavam passando por muitas dificuldades, tanto pela chuva, pelo frio, e também pela fome. Por isso ganhou bastante repercussão na mídia local e ficamos sabendo”.
Neste período do início de 2021, o MST já realizava com bastante intensidade as ações de solidariedade em todo o Brasil, com doações de alimentos frutos da Reforma Agrária Popular. Centenas de assentamentos e acampamentos rurais do Movimento no Paraná organizam partilhas de alimentos para ajudar a enfrentar a fome, problema que assombrava milhões de brasileiros e brasileiras durante a pandemia e o governo de extrema-direita à frente do governo federal. A comunidade Marielle Franco foi uma das que recebeu estas doações, feitas também em parceria com o Fórum de Lutas do Sudoeste.
As famílias da comunidade Marielle também se somaram em mobilizações estaduais como as marchas da articulação Despejo Zero, realizadas de forma unitária em Curitiba, e a Jornada de Luta das Mulheres do Campo e da Cidade, também na capital.
Bruna Zimpel enfatiza a importância da atuação unitária para que o povo trabalhador do campo e da cidade avance na conquista do direito à terra, teto e trabalho: “Essas famílias caminham para o fim de 2023 com a certeza que terão um lugar para morar em 2024 e nos próximos anos. É uma alegria que não se mede e não se explica em palavras e é isso que queremos para todas as famílias Sem Terra acampadas, e também para as famílias urbanas que estão na luta pela moradia”, completa a liderança do MST, se referindo às mais de 80 comunidades do MST que ainda lutam pela reforma agrária no Paraná, e as centenas de comunidades de ocupação urbana.
Luta por moradia reflete a batalha por vida digna
Altos preços dos aluguéis, dificuldade em garantir comida na mesa, falta de emprego. Esta foi a combinação de problemas que levou milhares de famílias a passarem a viver em ocupações urbanas no período da pandemia da Covid-19, em todo o Brasil. É também o caso da ocupação Marielle Franco, formada no dia 24 de janeiro de 2021, auge da pandemia.
“Eu vim pra ocupação porque eu não tinha onde morar, meu emprego era muito fraco, eu não conseguia pagar o aluguel, daí atrasava, chegava o dia, não tinha como pagar, os caras pediam a casa. Por isso eu tive que vir pra cá pra sair desse sofrimento. Minha família é grande, tenho as crianças, tive que lutar pra ter uma casinha, um terreno”, relata o morador Augusto Dias, pai de seis filhos.
Ele lembra o caminho até chegar a este momento de celebrar a conquista: “Desde o começo foi lutando, fizemos barraquinho de lona, enfrentamos muita chuva, falta de água e de luz. Sofremos bastante e aguentamos pra ver se conseguiria melhorar as coisas. Agora vai melhorar”.
A situação se repete no relato de Cleia, uma das coordenadoras da ocupação: “Na época que eu vim pra cá estava no pico da pandemia. Nós não tínhamos mais opção, ou eu pagava o aluguel, ou comprava comida, optei pra vim pra cá e fazer um barraco e ficar por aqui. Eu só queria um terreno pra morar, um lugar digno pra morar”.
Paulina também sentiu a piora nas condições de vida durante a pandemia e o governo de extrema-direita a frente do governo federal: “Viemos por dificuldades. Meu esposo estava doente, a gente pagava aluguel na época da pandemia, muito desemprego, a gente não conseguia trabalhar, não tinha condições de pagar o aluguel. Meus planos agora é que a gente consiga ter a nossa casinha própria, com dignidade, ter rua boa, água, luz, e que melhore bastante pra nós”.