Na vendinha de frutas na porta de casa, no carrinho de pipoca em frente à igreja, com as roupas e perfumes no porta-malas do carro, no salão de cabeleireiro que abriu no quintal. Na rotina, mulheres empreendedoras informais estão com um olho no futuro, de como melhorar o negócio que criaram para si, e com o outro atentas ao relógio para não atrasar no horário em que a criança sai da escola. De acordo com pesquisadoras e gestores públicos, o empreendedorismo feminino é movido principalmente por mães (70%), tem um faturamento médio de aproximadamente R$ 2 mil e uma situação de informalidade que desafia as políticas públicas no país. Nesta terça-feira (18), o governo promoveu o painel “Vozes do Empreendedorismo Feminino: Conectando Saberes e Ações”, onde especialistas e autoridades destacaram a importância de facilitar linhas de crédito e possibilitar a capacitação para melhorar o cenário.
A professora Daiane Batista, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é pesquisadora do tema “Trajetórias de vida e negócios das pessoas negras no Brasil”. Ela foi uma das palestrantes do evento. “A gente identifica todas essas mazelas no processo de empreender das mulheres”. Para Daiane, a principal motivação para o empreendedorismo entre as mulheres é a opressão enfrentada no trabalho formal. Muitas empreendem também porque são mães e precisam de mais tempo para cuidar dos filhos. “Elas têm essa percepção de que a flexibilidade do empreender vai possibilitar mais cuidado com os filhos”.
Entre as observações, Daiane Batista ressaltou que as mulheres negras — maioria da população do Brasil em termos percentuais — estão em condições mais precárias de informalidade e com negócios frequentemente abertos em suas próprias residências. “As empreendedoras precisam, o tempo todo, acionar a própria criatividade e construir soluções para conseguir viabilizar a sua iniciativa sem dinheiro”.
Outra pesquisadora, Caroline Moreira de Aguiar, líder das áreas de educação e projetos do Instituto da Rede Mulher Empreendedora, apresentou, na mesma terça-feira, uma pesquisa nacional que destaca os principais desafios enfrentados pelas mulheres empreendedoras. Entre eles, acesso a crédito e gestão financeira são apontados como os maiores impasses na administração dos negócios. A dificuldade de equilibrar a vida pessoal e profissional também tem impacto significativo. A pesquisa, realizada com uma amostra de 2.010 pessoas, mostrou que mais de 70% das empreendedoras são mães. “Elas começam a empreender motivadas pela pós-maternidade, ou porque saíram do mercado de trabalho, ou porque veem no empreendedorismo uma forma de ter flexibilidade de horário”, explica Aguiar.
A pesquisa também revela que, além de serem mães, as mulheres muitas vezes acumulam responsabilidades como cuidar de idosos, da casa e ainda administrar o próprio negócio. “O que a gente tem percebido é que a gestão do negócio se soma a todas essas outras jornadas de cuidado”. Assim, elas dispõem de poucas horas para gerenciar “todas essas jornadas de trabalho, que a gente chama de jornada dupla e tripla”. Segundo Aguiar, as mulheres frequentemente começam a empreender com recursos próprios ou com o apoio de sua rede de contatos. Outro dado relevante é que o faturamento médio desses negócios raramente ultrapassa os R$ 2 mil. “Ela acaba ficando naquela situação onde tudo que fatura, basicamente, coloca de novo no negócio, fazendo com que essa iniciativa não cresça. Então, ela se mantém quase estagnada”. As dificuldades tendem a ser maiores para mulheres pretas e pardas, que, em geral, relatam se sentir mais sobrecarregadas.
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, destacou que muitas empreendedoras criam seus negócios como uma estratégia de sobrevivência. “Precisamos fazer com que as mulheres empreendedoras tenham acesso às finanças e a todos os recursos, e ainda possam vender os produtos delas nos mercados (internos e até externos).” Segundo a ministra, o governo federal tem investido em recursos para que mulheres possam criar seus próprios negócios e se qualificar em parceria com estados, municípios e o Executivo. Ela ressaltou a necessidade de enfrentar desigualdades regionais e sociais. “As mulheres da região amazônica têm um desafio, do Nordeste têm outro. Quilombolas e indígenas, outros. Onde houver desigualdade, é o lugar que precisamos investir”, afirmou.
O secretário executivo do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, Tadeu Alencar, apontou que a Estratégia Nacional do Empreendedorismo Feminino, decretada recentemente, foi um passo importante para facilitar o acesso das mulheres ao crédito. Ele mencionou o financiamento Procred 360, parte do programa Acredita, que oferece linhas de crédito através de bancos públicos, cooperativas e instituições financeiras privadas. Para empresas comandadas por mulheres, a proporção do financiamento aumenta de 30% para 50% do faturamento no exercício anterior. “Isso permite que as ofertas de financiamento de crédito às mulheres possam ser prestigiadas”, comentou Alencar. A regra abrange pequenas empresas com faturamento de até R$ 360 mil anuais.
Por fim, ele destacou a importância de direcionar atenção a grupos específicos, como mulheres quilombolas, indígenas, da zona rural, da agricultura familiar e das periferias, para ampliar o acesso ao crédito. Alencar observou que o crédito para mulheres ainda é, de forma geral, limitado. “Quando se vai fazer a avaliação de risco de crédito, geralmente se pensa que as mulheres têm menos proteção para honrar os seus pagamentos. O que a gente vê na prática é que as mulheres são muito melhor pagadoras do que os homens”, afirmou.