O mês de março de 2020 marcou um período que uniu pessoas ao redor do mundo. Muitas histórias tiveram como cenário hospitais nos mais diversos países. Foram casos de altas hospitalares muito comemoradas, despedidas à distância e, acima de tudo, uma luta intensa contra a Covid-19. No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde declarou a pandemia, e, em 20 de março, o Brasil decretou estado de calamidade pública devido à doença. A partir daí, apenas serviços essenciais puderam funcionar.
Segundo o Ministério da Saúde, mesmo com as medidas de isolamento, mais de 700 mil mortes foram registradas no Brasil — número inferior apenas ao dos Estados Unidos, que ultrapassou a marca de 1 milhão de mortos, conforme dados do Our World in Data, da Universidade de Oxford.
Em Curitiba, o advogado Guilherme Kovalski, então com 35 anos, foi diagnosticado com Covid-19 em julho de 2020. Diabético e hipertenso, viu a doença evoluir rapidamente devido a uma trombose pulmonar, uma das complicações mais graves do vírus. Ele foi internado às pressas no Hospital São Marcelino Champagnat, referência para casos de Covid-19, e iniciou uma verdadeira batalha pela vida.
“A Covid-19 deixou algumas marcas, principalmente no aspecto físico e motor. Precisei de um intenso processo de reabilitação para recuperar a mobilidade e a capacidade respiratória. Ainda hoje sigo com acompanhamento médico e algumas limitações, mas me considero um sobrevivente e sou grato pela recuperação que alcancei”, conta Guilherme. A alta hospitalar veio sete meses depois — cinco deles passados dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Foi um período assustador, sem saber o que vinha pela frente, mas também de muito aprendizado, resiliência e fé. Cada dia foi uma batalha, e olhar para trás agora me faz valorizar ainda mais a vida e o convívio com as pessoas que amo”, enfatiza.
O intensivista e gerente médico do Hospital São Marcelino Champagnat, Jarbas da Silva Motta Junior, coordenava as UTIs da instituição quando a pandemia começou. Ele foi o primeiro médico da capital paranaense a atender um caso grave da doença. “A Covid-19 exigiu uma nova forma de cuidado. Muitos pacientes precisaram de traqueostomia, e alguns foram submetidos à ECMO, que funciona como um coração ou pulmão artificial. A média de internação de pacientes críticos, que era de 14 dias, passou a ser quatro vezes maior e, em casos como o de Guilherme, ainda mais longa”, explica Jarbas.
Entre os milhares de atendimentos, estava também o advogado Guilherme Kovalski. “Guilherme era jovem e, apesar do diabetes e da hipertensão, acreditávamos que teria uma recuperação sem grandes complicações. Mas, já na primeira semana, ele apresentou tromboses, infecções e outras condições que exigiram cirurgia. Em muitos momentos, tememos por sua vida, mas ele se mostrou um lutador”, relembra o intensivista.
Na época, o hospital foi reorganizado, com uma ala dedicada aos pacientes com problemas respiratórios e outra para os demais. Profissionais da saúde do grupo de risco foram afastados, respiradores adquiridos, protocolos de higiene revisados e antecâmaras de pressão negativa instaladas nos acessos às áreas de atendimento. Além disso, a comunicação com os familiares passou a ser feita por videochamada. Ferramentas de telemedicina foram implementadas para atender pessoas com sintomas respiratórios leves, evitando deslocamentos. Também foi desenvolvido um protocolo para cirurgias seguras voltado a pacientes que necessitavam de outros atendimentos, reduzindo os riscos de contaminação pelo vírus. Equipes médicas participaram de treinamentos constantes para seguir as orientações das autoridades de saúde. “Foi um período extremamente desafiador. Precisávamos entender a nova doença, acompanhar suas manifestações e aperfeiçoar técnicas de cuidado — e, mesmo assim, perdemos muitos pacientes. Acredito que ninguém que esteve dentro de um hospital — e, principalmente, de uma UTI — passou pela pandemia e saiu da mesma forma”, frisa Jarbas.
Enquanto muitos hospitais se tornaram referência nos atendimentos de Covid-19, outras instituições precisaram absorver a crescente demanda por outros atendimentos, como traumas. Esse foi o caso do Hospital Universitário Cajuru, que divide o mesmo quarteirão com o Hospital São Marcelino Champagnat e ambos integram o grupo Marista. Grande parte das emergências de Curitiba foi redirecionada ao Hospital Cajuru, incluindo casos de acidentes de trânsito e violência. Para atender a essa demanda, cirurgias eletivas, acompanhamentos e pesquisas foram suspensos em diversas áreas.
“A pandemia nos transformou como profissionais. Tanto nós, que já tínhamos anos de experiência, como os residentes, que foram formados em um cenário completamente atípico. Cinco anos depois, tudo parece distante, mas as lições que tiramos continuam vivas”, comenta o médico Juliano Gasparetto, diretor-geral dos hospitais São Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru.